Campanha “10 medidas” atinge meta de 1,5
milhão de adesões, exigida para apresentação de projeto de lei de
iniciativa popular. Entre as mudanças previstas, penas mais rígidas para
corrupção.
Coordenador da Lava Jato, Deltan Dallagnol é um dos idealizadores da campanha |
O Ministério Público Federal conseguiu reunir o apoio necessário para
apresentar ao Congresso Nacional um pacote com propostas legislativas
de combate à corrupção. A campanha “10 medidas contra a corrupção”
alcançou a marca de 1,5 milhão de assinaturas, exigida para o início da
tramitação de projeto de lei de iniciativa popular. Os organizadores
esperavam atingir a meta até o meio do ano, mas a tarefa foi facilitada
com as 116 mil assinaturas coletadas pelo Ministério Público de São
Paulo que serão entregues ao Ministério Público Federal amanhã (25), na
capital paulista. O evento terá a participação dos procuradores Deltan
Dallagnol e Carlos Fernando dos Santos Lima, da Operação Lava Jato, e do
subprocurador-geral da República Nicolao Dino, coordenador da Câmara de
Combate à Corrupção do MPF.
O pacote engloba 20 propostas de mudança legislativa em dez eixos principais.
Entre outras mudanças, prevê penas mais rígidas para crime de
corrupção, dificulta a anulação de processos e facilita a recuperação de
recursos desviados.
A campanha foi iniciada por integrantes da força-tarefa da Lava Jato,
em Curitiba, mas ganhou apoio da Procuradoria-Geral da República. A
estratégia é repetir o procedimento adotado na Lei da Ficha Limpa e na
Lei da Compra de Votos, também de iniciativa popular, ambas coordenadas
pelo Movimento de Combate à Corrupção Eleitoral (MCCE).
Em todo o país, mais de cem procuradores do Ministério Público
Federal aderiram à campanha e passaram a fazer palestras para divulgá-la
nos estados. O objetivo dos procuradores é que os projetos comecem a
tramitar na Comissão de Legislação Participativa da Câmara.
Entre outras mudanças, o pacote estabelece mudança no sistema de
recursos do processo penal, permitindo o cumprimento das penas antes de
recursos ao Superior Tribunal de Justiça e ao Supremo Tribunal Federal.
De acordo com uma das propostas, a pena mínima para corrupção será
dobrada, de dois para quatro anos de reclusão, o que torna obrigatório o
início do cumprimento das sentenças ao menos em regime semiaberto. Se o
prejuízo causado for superior a cem salários mínimos (hoje R$ 88.000), o
crime se torna hediondo. O enriquecimento ilícito de agente público
também será passível de punição, de três a oito anos de prisão, mesmo
que não seja comprovado o crime de corrupção.
Veja o resumo das dez medidas contra a corrupção propostas por
procuradores federais e suas respectivas justificativas, segundo seus
autores:
“1) Prevenção à corrupção, transparência e proteção à fonte de informação
Para prevenir a corrupção, o MPF sugere a possibilidade da realização
de testes de integridade, isto é, a “simulação de situações, sem o
conhecimento do agente público ou empregado, com o objetivo de testar
sua conduta moral e predisposição para cometer crimes contra a
Administração Pública”. A realização desses testes é incentivada pela
Transparência Internacional e pela Organização das Nações Unidas (ONU) e
é um exemplo de sucesso em alguns lugares do mundo. Outra proposta é o
investimento de um percentual entre 10% e 20% dos recursos de
publicidade dos entes da Administração Pública em ações e programas de
marketing voltados a estabelecer uma cultura de intolerância à
corrupção, conscientizar a população dos danos sociais e individuais
causados por ela, angariar apoio público para medidas contra corrupção e
reportar esse crime. Propõe-se também o treinamento reiterado de todos
os funcionários públicos em posturas e procedimentos contra a corrupção,
o estabelecimento de códigos de ética claros, adaptados para cada
carreira, e a realização de programas de conscientização e pesquisas em
escolas e universidades. Para estimular a denúncia de casos de
corrupção, o Ministério Público propõe a garantia de sigilo da fonte,
com a ressalva de que ninguém pode ser condenado apenas com base na
palavra de informante confidencial. Prevê-se ainda a possibilidade de
ser revelada a identidade do informante se ele fizer denúncias falsas.
Por fim, propõe-se a obrigação de o Judiciário e o Ministério Público
prestarem contas da duração dos processos em seus escaninhos, formulando
propostas quando seu trâmite demorar mais do que marcos propostos de
duração razoável de processos (gatilho de eficiência).
2) Criminalização do enriquecimento ilícito de agentes públicos
A dificuldade de provar a corrupção garante a impunidade e incentiva o
comportamento corrupto. A criminalização do enriquecimento ilícito
garante que o agente não fique impune mesmo quando não for possível
descobrir ou comprovar quais foram os atos específicos de corrupção
praticados. A #medida2 propõe a tipificação do enriquecimento ilícito,
com penas de três a oito anos, mas passíveis de substituição no caso de
delitos menos graves. O ônus de provar a existência de renda discrepante
da fortuna acumulada é da acusação. Se a investigação ou o acusado
forem capazes de suscitar dúvida razoável quanto à ilicitude da renda,
será caso de absolvição.
3) Aumento das penas e crime hediondo para corrupção de altos valores
É extremamente difícil descobrir o crime de corrupção e, quando isso
ocorre, é mais difícil ainda prová-lo. Mesmo quando há provas, pode não
se conseguir uma condenação em virtude de questões processuais como
nulidades. Ainda que se descubra, prove e alcance uma condenação, a
chance de prescrição é real, o que pode ensejar absoluta impunidade. Por
fim, quando a pena é aplicada, ela é normalmente inferior a quatro anos
e é perdoada, por decreto anual de indulto, depois do cumprimento de
apenas um quarto dela. A corrupção é hoje, portanto, um crime de alto
benefício e baixo risco, o que pode incentivar sua prática. A #medida3
transforma a corrupção em um crime de alto risco no tocante à quantidade
da punição, aumentando também a probabilidade de aplicação da pena por
diminuir a chance de prescrição. Com as alterações, as penas, que hoje
são de 2 a 12 anos, passam a ser de 4 a 12 anos, lembrando que, no
Brasil, as penas de réus de colarinho branco ficam próximas ao patamar
mínimo. Com isso, a prática do crime passa a implicar, no mínimo, prisão
em regime semiaberto. Esse aumento da pena também amplia o prazo
prescricional que, quando a pena supera 4 anos, passa a ser de 12 anos.
Além disso, a pena é escalonada segundo o valor envolvido na corrupção,
podendo variar entre 12 e 25 anos, quando os valores desviados
ultrapassam R$ 8 milhões. Essa pena é ainda inferior àquela do homicídio
qualificado, mas é bem maior do que a atual. A corrupção mata, como
decorrência do cerceamento de direitos essenciais, como segurança,
saúde, educação e saneamento básico. Por isso, a referência punitiva da
corrupção de altos valores passa a ser a pena do homicídio. Por fim, a
corrupção envolvendo valores superiores a cem salários mínimos passa a
ser considerada crime hediondo, não cabendo, dentre outros benefícios, o
perdão da pena, integral ou parcial (indulto ou comutação).
4) Aumento da eficiência e da justiça dos recursos no processo penal
É comum que processos envolvendo crimes graves e complexos,
praticados por réus de colarinho branco, demorem mais de 15 anos em
tribunais após a condenação, pois as defesas empregam estratégias
protelatórias. Além de poder acarretar prescrição, essa demora cria um
ambiente de impunidade, que estimula a prática de crimes. Com o objetivo
de contribuir com a celeridade na tramitação de recursos sem prejudicar
o direito de defesa, a #medida4 propõe 11 alterações pontuais do Código
de Processo Penal (CPP) e uma emenda constitucional. Essas alterações
incluem a possibilidade de execução imediata da condenação quando o
tribunal reconhece abuso do direito de recorrer; a revogação dos
embargos infringentes e de nulidade; a extinção da figura do revisor; a
vedação dos embargos de declaração de embargos de declaração; a
simultaneidade do julgamento dos recursos especiais e extraordinários;
novas regras para habeas corpus; e a possibilidade de execução
provisória da pena após julgamento de mérito do caso por tribunal de
apelação, conforme acontece em inúmeros países.
5) Celeridade nas ações de improbidade administrativa
A #medida5 propõe três alterações na Lei nº 8.429/92, de 2 de junho
de 1992. A fase inicial das ações de improbidade administrativa pode ser
agilizada com a adoção de uma defesa inicial única (hoje ela é
duplicada), após a qual o juiz poderá exinguir a ação caso seja
infundada. Além disso, sugere-se a criação de varas, câmaras e turmas
especializadas para julgar ações de improbidade administrativa e ações
decorrentes da lei anticorrupção. Por fim, propõe-se que o MPF firme
acordos de leniência, como já ocorre no âmbito penal (acordos de
colaboração), para fins de investigação.
6) Reforma no sistema de prescrição penal
A #medida6 promove alterações em artigos do Código Penal que regem o
sistema prescricional, com o objetivo de corrigir distorções do sistema.
As mudanças envolvem a ampliação dos prazos da prescrição da pretensão
executória e a extinção da prescrição retroativa (instituto que só
existe no Brasil e que estimula táticas protelatórias). O MPF propõe
ainda que a contagem do prazo da prescrição da pretensão executória
comece a contar do trânsito em julgado para todas as partes, e não
apenas para a acusação, como é hoje. Além disso, são sugeridas
alterações para evitar que o prazo para prescrição continue correndo
enquanto há pendências de julgamento de recursos especiais e
extraordinários. As prescrições também podem ser interrompidas por
decisões posteriores à sentença e por recursos da acusação, solicitando
prioridade ao caso.
7) Ajustes nas nulidades penais
A #medida7 propõe uma série de alterações no capítulo de nulidades do
Código de Processo Penal. Os objetivos são ampliar a preclusão de
alegações de nulidade; condicionar a superação de preclusões à
interrupção da prescrição a partir do momento em que a parte deveria ter
alegado o defeito e se omitiu; estabelecer, como dever do juiz e das
partes, o aproveitamento máximo dos atos processuais e exigir a
demonstração, pelas partes, do prejuízo gerado por um defeito processual
à luz de circunstâncias concretas. Além disso, sugere-se a inserção de
novos parágrafos para acrescentar causas de exclusão de ilicitude
previstas no Direito norte-americano, país de forte tradição democrática
de onde foi importada nossa doutrina da exclusão da prova ilícita
(exclusionary rule). Essas mudanças objetivam reservar os casos de
anulação e exclusão da prova para quando houver uma violação real de
direitos do réu e a exclusão cumprir seu fim, que é incentivar um
comportamento correto da Administração Pública.
8) Responsabilização dos partidos políticos e criminalização do caixa 2
A #medida8 propõe a responsabilização objetiva dos partidos políticos
em relação a práticas corruptas, a criminalização da contabilidade
paralela (caixa 2) e a criminalização eleitoral da lavagem de dinheiro
oriundo de infração penal, de fontes de recursos vedadas pela legislação
eleitoral ou que não tenham sido contabilizados na forma exigida pela
legislação.
9) Prisão preventiva para evitar a dissipação do dinheiro desviado
A #medida9 propõe a criação da hipótese de prisão extraordinária para
‘permitir a identificação e a localização ou assegurar a devolução do
produto e proveito do crime ou seu equivalente, ou para evitar que sejam
utilizados para financiar a fuga ou a defesa do investigado ou acusado,
quando as medidas cautelares reais forem ineficazes ou insuficientes ou
enquanto estiverem sendo implementadas.’ Além disso, a #medida9 propõe
mudanças para que o dinheiro sujo seja rastreado mais rapidamente,
facilitando tanto as investigações como o bloqueio de bens obtidos
ilicitamente.
10) Recuperação do lucro derivado do crime
A #medida10 traz duas inovações legislativas que fecham brechas na
lei para evitar que o criminoso alcance vantagens indevidas. A primeira
delas é a criação do confisco alargado, que permite que se dê perdimento
à diferença entre o patrimônio de origem comprovadamente lícita e o
patrimônio total da pessoa condenada definitivamente pela prática de
crimes graves, como aqueles contra a Administração Pública e tráfico de
drogas. A segunda inovação é a ação civil de extinção de domínio, que
possibilita dar perdimento a bens de origem ilícita independentemente da
responsabilização do autor dos fatos ilícitos, que pode não ser punido
por não ser descoberto, por falecer ou em decorrência de prescrição.”
fonte: http://congressoemfoco.uol.com.br/noticias/mpf-alcanca-assinaturas-para-pacote-anticorrupcao/
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